Do século VI a.C. até 06.05.21 o que mudou?

Uma das frase que mais gosto de Bruce Lee é: _Os verdadeiros amigos são como diamantes, pedras preciosas e raras. Falsos amigos são como folhas de outono, encontradas em toda parte. 

Dentre as pedras preciosas que tenho, Dr. Robério que entre muitas das suas atribuições, também é Pastor e Capelão, cedeu gentilmente este artigo para nossa apreciação, ler e compreender sobre os assuntos da nossa atualidade, que são sem dúvida alguma, tão antigos. 

Seu artigo data de um  domingo, 6 de abril de 2008, veja os fatos ocorridos no Rio de Janeiro - (RJ) em uma quinta-feira 6 de maio de 2021. 

"Nossos Modernos Pharmakói"

Deparamos quase todos os dias com noticias de motins em prisões, chacinas e verdadeiras "Guerras" entre traficantes. O Sistema Judiciário Brasileiro estampa uma teia de problemas sobre o qual a psicologia, ao lado de outras ciências humanas, também tem seu papel a cumprir, oferecendo uma analise realista sobre a eficiência desse "Sistema" e buscando entender os motivos de tanta violência.

Deixe-me esclarecer em primeiro lugar o sentido da palavra escrita em grego clássico, que usei acima Pharmakós ou no plural Pharmakói.

Na antiga Grécia, até cerca do século VI AC,( antes da era cristã), calculam os historiadores, ainda era comum a pratica de sacrifícios humanos. Sustentavam-se vários indivíduos pertencentes a escoria da sociedade, de tempo em tempo eram sacrificados em homenagens aos deuses. Na época de crise, como seca, fome, conflitos políticos os sacrifícios aumentavam.

Era preciso apaziguar os deuses pedir-lhes ajuda e proteção. Pegavam-se esses reservados aos sacrifícios que eram de certa forma os "marginais"da sociedade grega, estes eram chamados de "Pharmakói". Essa palavra significa ao mesmo tempo, veneno e antídoto. O mal e o remédio. Pois eles, ao serem mortos, serviriam como intermediários entre deuses e homens, a fim de que as coisas melhorassem. Eram portanto, o medicamento, o remédio que os homens imaginavam que os seus deuses ali apreciariam. Daí é que vem , não sei se sabem, a palavra farmácia, lugar onde são vendidos os remédios ou venenos.

Como os "Pharmakói" eram sempre pertencentes a uma categoria marginal, não haveria quem os vingasse. Podiam portanto usar os "Pharmakói"enquanto fosse preciso. A meu ver, porem, o fenômeno do "Pharmakói" não existiu apenas na Grécia clássica.

Ele existe sempre e existe até hoje. Sob muitas outras faces, revestidos de inúmeras outras mascaras e disfarces; os "Pharmakói" jamais deixarão de existir. Isto porque ele é indispensável ao bom funcionamento psíquico do ser humano, é inerente ao complexo mecanismo de defesas psicológicas com as quais as pessoas armam-se e sem elas não se equilibrariam, isto no ponto de vista da saúde mental.

Os excluídos de nossa cidade contemporânea, os Judeus na época do nazismo, as crianças da Candelária mortas, os prisioneiros que lotam as cadeias em todo o mundo, a discriminação que pesa sobre todos os excluídos, os pobres, negros, os loucos, os marginais, todos sem exceção, são os "bodes expiatórios" SÃO NOSSOS MODERNOS PHARMAKÓIS.

Não devemos nos esquecer de do episodio de outubro de 1992 no Pavilhão 09 da Casa de Detenção de São Paulo "O Massacre dos cento e onze prisioneiros"

Exemplo de que os "Pharmakói" ainda existem da forma mais cruel e sinistra acontecidos nos últimos anos.

Talvez na Grécia antiga, mesmo na pior das crises não se tivesse conseguido massacrar em apenas meia hora tantas pessoas. Mas hoje, com o avanço tecnológico com o qual convivemos essa façanha foi possível.

Ao analisar este verdadeiro massacre ocorrido naquela tarde de horror no Pavilhão 09 à luz dos caminhos que a moderna Psicologia Social nos aponta e sob o brilho dos conceitos e categorias que o grande pensador francês René Girard expõe em seu mais famoso livro "A Violência e o Sagrado".

René Girard coloca, logo no inicio do seu livro, que o Poder Judiciário possui um caráter eminentemente sacrifical. Nas sociedade primitivas, sem Poder Judiciário, havia o sacrifício sangrento. Havia vitimas humanas e animais. Segundo Girard a função destes sacrifícios seria para separar a "Boa "da "Má" violência.

Essa violência assim sacrificada é exercida de modo catártico, com freqüência, tinham a função de recuperar a ordem e apaziguar a todos. Ainda segundo Girard, o Poder Judiciário, por separar a "Boa "da "Má" violência , tem também um caráter sacrifical. E, no meu entender, assim como as vitimas eram escolhidas ao acaso, portanto arbitrariamente, dentro das sociedades com Poder Judiciário, as vitimas (os infratores da lei) são colocadas dentro das penitenciarias de acordo com uma trama, uma ardidura, cujos fios foram entrelaçados obedecendo a um caráter que se revela, após minuciosa analise, também arbitrário.

Creio que, assim como nas sociedades sacrifíciais, ao ser escolhido um cordeiro por exemplo para ser sacrificado, não era preciso que o cordeiro escolhido tivesse feito alguma coisa má. Ele era escolhido aleatoriamente. Hoje com o Poder Judiciário, as pessoas julgam que quem está nas penitenciarias, está lá porque é intrinsecamente "mau". Fez algo muito errado. E quem está do lado de fora são os "bonzinhos" a priori, as coisas são vistas assim. Mas nós sabemos que não é bem assim, de modo algum que as coisas ocorrem.

A tendência mais atual do sistema capitalista a maximização do lucro, vai com certeza levar a sociedade à morte. Vou transcrever aqui algumas palavras do Frei Betto, que resumem o que quero dizer:

Se a sociedade não oferece educação, emprego, saúde, lazer e se a TV insiste em que não se pode ser feliz sem a síndrome do consumismo, que alternativamente há fora o narcotráfico, dos assaltos e da violência.

Sabe-se que a sociedade produz seus próprios marginais, onde poucos tem acesso ao bem estar, à segurança e outros nem ao menos o que comer. Como então não haver delinqüência e marginalidade.

Além disso, é preciso que se pense, que se leve em conta outros fatores igualmente importantes, apontados pela psicologia , tais como a historia da vida de cada individuo teve; seus valores, as violências que eventualmente possa ter sofrido, a miséria, a fome a rejeição, os desejos não satisfeitos.

Como sua personalidade interagiu com esses fatores ? como é seu perfil psicológico ? é mais submisso o mais revoltado ? qual o resultado final dessas questões em cada individuo ?

Se levarmos em conta todos esses fatores, obviamente concluiremos que nem todos os que estão fora das penitenciarias são essencialmente "bons e honestos".

Assim como nem todos que estão dentro das penitenciarias são "maus e desonestos ". Não. Foram contingências da vida que se encarrega de fazer essa separação. Foram fatores alheios `a vontade consciente de cada um.

Modo de vida, personalidade, sistema capitalista, mídia poderosa, má distribuição de renda, miséria e exclusão. Podemos inferir então que, se existem pessoas dentro da prisão e outras fora delas não é porque o mundo esteja dividido em "bons e maus". As pessoas estão num ou outro lugar apenas por acaso.

Coloquei esta questão apenas para ficar mais claro que todos os presidiários que estavam no Pavilhão 09, naquele dia estavam ali por apenas meras contingências da vida. O Presidente do falido banco econômico; os Deputados sangue sugas, os anões do orçamento, tantos outros criminosos apontados pelas CPíS no entanto estão livres com todo o dinheiro desviado da sociedade; no entanto, a maioria, ali, eram de réus primários. Haviam alguns que não haviam sidos soltos apenas por questões burocráticas. Mortos sem poderem se defender, Alias o Pavilhão dos presos de alta periculosidade, por acaso, era outro, não o 9.(nove)

No episodio do Carandirú, veremos que sob muitos aspectos, as teorias de Girard se encaixam perfeitamente. A ferocidade dos Pms que invadiram a Casa de Detenção, o aparato bélico que usavam metralhadoras Beretta 9mm, escopetas calibre 12, fuzis, cães adestrados, aparato que aumenta grandemente a força e o poder de qualquer individuo, fardas que legitimam e facilitam a violência dimensões do sadismo alcançado pelo homem com poder. Como as teorias de Girard explica a violência tem essa outra característica, a de deslocar facilmente de um lugar para outro.

Toda carga de violência de que eram portadores os policiais, derramou-se sobre pessoas que, afinal, eles nem ao menos conheciam. Não havia nenhuma questão pessoal a ser vingada. Apenas a violência encontrou um momento propicio. E, cento e onze presidiários Bodes Expiatórios. Pessoas pobres, indefesas, vulneráveis e que, potencialmente, não tinham quem as vingasse. NOSSOS MODERNOS PHARMAKÓI.

A violência transbordou e correu solta. Mais interessante ainda é que, tal como na Grécia antiga, uma parte da população da cidade de São Paulo, aprovou o feito. Como se os cento e onze que morreram, carregassem consigo para seus paupérrimos túmulos, toda violência da cidade de São Paulo, toda violência da cidade de São Paulo. Tal se presumia nas sociedades primitivas. O Pharmakói ao morrer, levaria consigo todas as mazelas e penúrias da comunidade.

Todavia, ambas as formas de sacrifícios expiatórios, a antiga e a moderna, são falsas. Ambas nada mais são que meras projeções. Os cento e onze presidiários não levaram consigo para o tumulo, toda a violência da sociedade.

Ela está aí, piorando a cada dia mais viva e terrível do que nunca.As classes dominantes parecem não abrir mão de nada, realmente produzirão mais e mais miseráveis e por conseguinte, mais e mais marginais. Depois não saberão livrar-se dos "Pharmakói" que produziram.



Advogado, Teólogo, Pastor, Professor, Conferencista, Capelão Master do C.T.C.
Especialista em Capelania Prisional, é uma das maiores autoridades da Segurança Pública.
Entre outras atribuições e designações.


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1. ROCHA, Robério Fortunato. Nossos Modernos Pharmakói. Disponível eletronicamente em artigos, jan.2000.< http://www.obrasilparacristosp.com.br/index.php

2.GIRARD, René . A Violência e o Sagrado. Unesp 1990 p. 53.Betto Frei http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=9451&cod_canal=53

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